Páginas

Powered By Blogger

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O tempo existencial e Norma Bengell


Ontem vivi uma experiência quase psicótica, de desejar romper friamente com a realidade e me entregar de vez ao mundo dos sonhos. Não foi devido a nenhum sentimento político ou social; foi mais existencial mesmo, dessas em que a função do tempo sobre nós, mostrando o início e o fim das coisas, caiu como uma tempestade sobre a minha consciência. Permitam-me explicar melhor, depois de cair na gandaia ontem, cheguei bêbado em casa, fui dormir e tive o seguinte sonho: “Estávamos todos reunidos em um momento de confraternização, eu e a minha família toda da geração que me precede - só que todos estavam mais jovens, com aparência física de 25 a 30 anos. Quem estava presente nesta festa, não sei por qual motivo, era Norma Bengell, musa do cinema, da música e do teatro brasileiro dos anos 60. Conversei bastante com ela, não me lembro qual assunto, me deixei derramar no seu olhar hipnotizante e me derreti de paixão como uma bola de sorvete no calor da praia de boa viagem.”


Até aí tudo bem, pois enquanto sonho tudo era permitido já que não existem barreiras lógicas, éticas e morais para o nosso inconsciente. Porém, ao acordar, o peso da realidade me fez cair uma dúvida inquietante: “como estará Noma Bengell hoje em dia”? Vale ressaltar que a Norma Bengell que apareceu nos meus sonhos se encontrava no mesmo estado de conservação da Norma Bengell de Noite Vazia – excelente filme de 1964 dirigido pelo saudoso Walter Hugo Khouri. Não hesitei... Pulei da cama ainda sobre efeito do uísque de algumas horas atrás e corri para o computador para procurar na internet algum registro atual de Norma Bengell. Encontrei uma entrevista com ela feita por Antônio Abujamra no seu programa “provocações”, e adivinhem... quase caí de costas. Norma estava acabada, destroçada, desfigurada pelo tempo. Nem de longe lembrava aquela Norma de Noite Vazia, ou de “o pagador de promessas”, outro filme inesquecível dirigido por Anselmo Duarte em 1962. Pra vocês terem uma idéia, nessa época, Norma chegou até a ser comparada com Brigitte Bardot. Recentemente, ela atuou no programa “Toma lá, dá cá”, no papel de Deise, uma moradora sapatão do edifício Jambalaya.

Mas, voltemos ao surto. Depois de quase cair para trás ao ver Norma Benguell hoje em dia, novamente me ocorreu um certo pensamento que em muitos momentos da minha vida me atordoa: “Somos seres humanos e vivemos sob a sensação de dominarmos a natureza. Acreditamos que temos o total controle de nossas vidas nas mãos, que temos sempre planos para o amanhã e temos métodos, instrumentos... enfim... capacidade suficiente para sermos senhores da nossas vidas”. Tal sensação também se traduz em momentos de alegria que temos com nossos amigos, quando o mundo parece parar de girar para dar lugar ao eterno. É quando comunicamos aos nossos amigos: “vamos marca outro encontro desses”, “vamos ser sempre amigos”. São momentos em que ignoramos que o Tempo, senhor do início e do fim e de todas as mudanças que ocorrem na natureza, está agindo de maneira fria e impiedosa sobre nós. Não me refiro ao tempo cronológico, mas ao tempo existencial, aquele que mostra que o agora já não é mais, que tudo está correndo em direção ao fim. Tal realidade se revela de forma cruel, mostrando que isso existe, quando procuramos viver cada dia tentando esquecer. Creio que cheguei a esta sensação por assistir a muitos filmes antigos e por conseqüência testemunhar o ontem e o hoje sobre as coisas. O medo da morte, de não saber o que existe depois dela e de saber que ela se aproxima desde quando nascemos estão constantemente presentes neste complexo sensacional. Me conforta a perspectiva de Norma que vive cada momento como se fosse o último, sem tantas preocupações com o futuro. Norma foi uma mulher que viveu intensamente uma vida de grandes amores e grandes lutas, e nunca perdeu a sua vaidade e feminilidade que a mocidade poderia ter tirado com o peso do tempo existencial.