(passei a virada de ano com uma leve sensação de roedeira, mas agredeço muito à pessoa/motivo da dor por ter possibilitado a criação desta pequena reflexão histórica)
O amor suscinta a aparição de algumas tragédias: ele pode nascer a partir delas ou pode terminar com elas. Me refiro à paixão amorosa, aquela que pode apontar para um outro ou mesmo para si próprio, como foi o caso de Narciso, cuja tragédia recaiu sobre a simples contemplação da sua imagem refletida sobre a água . Um fenômeno antigo que faz parte da história do amor e que a humanidade ainda não aparendeu a lidar é o amor não correspondido – creio até que este pode ter se originado a partir do neolítico, quando o homem já deixara de usar a força física para adiquirir suas mulheres tal como caçavam animais. Na medida em que a liguagem ganha espaço na formação cultural das nossas cabeças, o homo sapiens sapiens estende a sua massa encefálica para a criação de sentimentos. Logo, os sentimentos passam também a fazer parte do sexo, associando-se a ele através de uma lei regida pelo gostar-não gostar, sentir-não sentir. Isto atravessou a história da humanidade e se configurou de acordo com as diversas transformações sofridas pela sociedade – me refiro aqui à sociedade ocidental, já que não tenho tanta propridade pra falar das culturas do lado de lá. Antes do advento do cristianismo como a religião mais dominante da cultura ocidental, no período que data a antiguidade classica – a da grecia antiga – o amor existia para o homem sendo então excludente as mulheres, que não tinham voz e aparição diante da sociedade que compunham a cidade-estado; só que esse sentimento era previlégio de poucos e era muito pouco explorado diante da representação social almeijada pelo homem no espaço público dessas cidades-estado. Foi um periodo de surgimento da cultura, e com ela, do homem político, este que tinha vez, voz e existencia diante de tal ambiente biológico. Minimamente é que as expressões mais sentimentais surgiam através da arte, como pode ser conferido nas tragédias gregas dos tempos de péricles. Avançando um pouco na linha do tempo, temos a idade média, onde uma nova moral foi imposta pelo poder absoluto da igreja. Nesse período, a união entre homens e mulheres se dava através da união sagrada do matrimônio, que também era um previlégio de poucos, considerando que a aristocracia dos feudos era quem tinha a dádiva do sagrado. Aos pobres restavam o amor, mas este logo desaparecia com a praga da peste bubônica. Avançando mais um pouco, chegamos na modernidade; extingue-se o regime feudal e entra em cena a burguesia, dando uma grande expanção à cultura com as mudanças que ela trouxe à sociedade. A burguesia criou o capitalismo, e junto com ele, uma nova perpectiva: a individualidade. Esse fenômeno foi inédito na história da humanidade, pois nunca o homem foi tão dono dos sua vontade e tão responsável pelos seus desejos. Tal sensação de liberdade e desejo – aí uma faceta da paixão – levou o homem a avançar nas navegações, a fundar novas etnias e criar uma doutrina fascinante como o Iluminismo, que mais tarde iria dar origem a novos paradigmas políticos, científicos e filosóficos. Na literatura, surgiram grandes romances, de amores impossíveis acontecendo no cerco da burguesia e tragédias decorrentes destes: William Sheakespeare, Leon Tolstoi, Jane Austen, Machado de Assis... Ah, foram tantos. O movimento Romantismo foi o principal responsável pela elevação do sentimento em dentrimento da razão. Isso foi inspirando pensadores como Rosseau, que tratava de política com um viés bastante sentimental , e Nietzche, cujo pensamento criticou o racionalismo puro e originou uma filosofia inteiramente voltada para o homem. Cabe considerar que, até um certo período, a união entre homens e mulheres se baseavam em acordos comerciais entre as famílias da burguesia, dando pouca margem ao sentimento. Os pais casavam os filhos, e a tragédia do amor não correspondido se manifestava em forma de fantasias silenciosa; daí a fonte de inspíração para grandes romances. Chegando no século XX, o homem se esbarra na pós-modernidade, que nada mais é do que a modernidade apresentando consequencias verdadeiramente trágicas ao homem; uma espécie de falha da modernidade. A individualidade chega ao extremo, desta vez com o apareto tecnológico e com as revoluções na cultura, no comportamento dos jovens. O homem pós-moderno tem seu próprio computador, sua própria televisão, tudo tão próprio a excluir a sua identidade, que se encontra prejudicada pela imensa gama de informações antagônicas que recebe. O homem pós-moderno deseja e não deseja ao mesmo tempo, não se reconhece diante das suas escolhas, sofre crises existencias, depressões, consumo de drogas e outros transtornos psíquicos. Para cada mal, existe um remédio que deve ser consumido - o consumo é a lei, o objetivo maior do homem pós-moderno. O amor também se tornou consumível; ou seja, ele pode se apaixonar por quem ele quiser, basta selecionar as características no outro que mais se adequem ao seu gosto. O problema basta ser a outra pessoa querer, corresponder a este amor – eis a tragédia amorosa da pós modernidade. Pode-se dizer que se ama de uma forma individual, tal como os objetos da pós-modernidade. As pessoas vivem seus universos particulares com seus conflitos individuais os quais não publicam nem para a mãe – nunca a psicoterapia foi tão requisitada. Por fim, posso terminar esse ensaio criticando um pouco esse modelo de amos trágico: O amor não correnpondido representa uma tragédia, mas não concebe nenhum dos personagens como vítima, pois se ama da maneira mais individial possível. E por que não dizer egoísta?