Falar sobre autismo é semelhante a falar sobre uma pessoa que não se sente bem em um ambiente onde não foi devidamente acolhida. As pessoas no ambiente não notam a sua presença, não se interessam pelos seus assuntos, e por isso, a existência da pessoa naquele devido momento da experiência passa a estar comprometida. Essa mesma pessoa também não pode fazer nada para mudar o desejo do outro que a acompanhou até esse lugar e do qual ela se encontra dependente para voltar para casa. O que fazer numa situação dessas? Uma fuga para a imaginação parece ser uma boa alternativa para suportar a angústia de permanecer forçadamente naquele ambiente inóspito: Olhar para os lados ou para lugar nenhum, desaperceber cada vez mais os estímulos externos e se deixar viajar nos pensamentos, lembrar-se de uma música ou de um filme. Tudo vai bem até que essa viagem interior é interrompida por alguém... alguma voz surgiu bruscamente no lado de fora. Alguém comenta algo com você, não se sabe ao certo o quê. O conteúdo da sua fala deste alguém não é compreendido, muito menos o motivo que poderia ter levado o emissor a cometê-lo: promover uma integração com o grupo de pessoas que está pouco incomodado com a sua apatia. A situação causa mal-estar e tudo o que se escuta é ruído - que de alguma forma o incomodou por ter de lhe arrastar tão violentamente daquela agradável sensação de meditação. O que fazer nessa hora? Minha boa educação cristã me diz que eu tenho que responder a ele. Porém, lá no fundo do meu peito não havia mais interesse por aquele ambiente, nem pelos assuntos, nem pelas pessoas e muito menos por esse que me fala. Eu havia acabado de encontrar um lugar agradável num mundo que eu mesmo construí, que me permitiu ser quem eu quisesse e como eu quisesse ser.
É mais ou menos assim que funciona a cabeça de uma criança ou um adulto autista, só que num estado, logicamente, muito mais grave. Deixa que eu explique. A criança que se tornou autista percebeu a inospitalidade do mundo numa idade ainda que muito precoce. Winnicot(1976) aponta para a incidência deste ocorrido ainda na fase de gestação, onde a criança já não era desejada. Sendo assim, ela nunca teve um lugar no mundo reservado para ela, onde ela pudesse se desenvolver e dar sentido às histórias das pessoas que a cercam. O mundo lhes foi negado num momento em que a criança precisava dele ainda para descobrir as suas emoções. As emoções são mecanismos psíquicos fundamentais para a construção do eu, para a formação do sujeito como uma unidade no mundo. Sem esta unidade, sem este EU, a criança é uma massa caótica (parafraseando Winnicot), um espaço vazio. E voltando para as emoções que antecedem a formação deste eu, elas só são possíveis na presença de um outro. À partir do momento que o outro permite, nega, oferece e toma, a criança apresenta reações como o choro ou o sorriso. Conceitos como o Holding ou o Handling (Winnicot, 1962) é que vão estabelecer a qualidade na maneira como as emoções se desenvolvem na criança. Mas por outro lado, como as emoções se desenvolverão quando o outro se ausenta? Até então, a única referência de mundo que essa massa caótica chamada criança possui de mundo é o outro. Se o outro não existe, o mundo para a criança também não existe.
Para Winnicot, a Criatividade é o mecanismo existente entre o ser e o mundo através do qual o mundo legitimará cada vez mais a existência deste ser. É outro passo para a construção do Eu: a Criatividade. O que eu faço deve de alguma forma ou de outra ter algum efeito no mundo, só assim eu percebo que dentro do meu corpo existe algo que dá sentido ao fato deu estar habitado neste. O sujeito se reconhece e reconhece o mundo pela sua criatividade; assim sendo, podemos entender a criatividade como um mecanismo de sobrevivência no mundo. E se o mundo se torna inexistente para o sujeito, como na situação anteriormente citada? Como fica essa sobrevivência? A resposta é a Criatividade. Só que ao contrário do saudável, essa sobrevivência ocorrerá em outro plano: através da criação de um mundo próprio, aonde a sua criatividade possa ser reconhecida. Tom Cruise no filme Rain Man (1989) até explica o autismo dessa maneira: “uma pessoa que vive num mundo só dela”.
É uma interpretação mais verdadeira e até mais saudável do autismo, uma pessoa que optou por um modo de sobrevivência no mundo. Pena que o preço que se paga do essa opção é um pouco alto, pois o mundo existe materialmente e a criança autista sempre se esbarra nele. Alguns conseguem se adequar através de rituais bem específicos, mas como o mundo acontece a cada instante, eles acabam por se esbarrarem em sua imprevisibilidade. O mundo tem as suas leis, e o autista não as reconhece. Segundo F. Tustin (1964), a criança autista percebe o mundo(ambiente) como sendo uma extensão de seu corpo. Assim sendo, é doloroso para ela esbarrar em seu próprio corpo, percebendo que este possui falhas em seu funcionamento.
Como consideração final sobre o autismo, posso dizer que não é só a criança que não compreende as leis do mundo; o mundo também não compreende a criança autista. Não consegue acolher essa criança no seu estado já cronificado. Também pudera, não é possível de se estabelecer um diálogo convencional com ela. Os educadores sofrem com o seu comportamento de quebrar as coisas, de urinar e fazer fezes sem o menor aviso prévio. A sensação de estranheza que atravessa o autista também atravessa as pessoas que estão diante delas e muitos sentimentos – tal qual a rejeição precoce por parte da mãe que originou o transtorno. Semana passada assisti ao filme “minha esperança é vocÊ”(foto), dirigido por John Cassavetes em 1962 - Uma raridade: um filme desta época registrando o tratamento com crianças excepcionais. Neste filme, o pai do protagonista autista fala o seguinte quando a sua esposa lhe perguntara se ele não sente nada pelo filho: “sinto sim... sinto vontade de abandoná-lo... minha vida era cheia de planos, e hoje, eu gastei tudo por ele não tenho mais nada”. Não podemos culpar este pobre personagem pelo que ele sente, mas também não podemos tirá-lo de sua responsabilidade, pois este sentimento é derivado do que a criança também sente por habitar nesse mundo. Os profissionais que trabalham com este público também precisam superar este sentimento de rejeição. É um trabalho de duplo esforço. Uma vez que o sentimento de rejeição é afastando, criamos espaços livres em nossa razão para alcançar o mundo da criança autista – reconhecer suas motivações, suas afinidades. Quando a criança reconhece que existe um mundo que reconhece os seus desejos, cria-se a possibilidade desta direcionar a sua criatividade para este novo mundo. O afeto é a grande chave para o sucesso deste profissional.
É mais ou menos assim que funciona a cabeça de uma criança ou um adulto autista, só que num estado, logicamente, muito mais grave. Deixa que eu explique. A criança que se tornou autista percebeu a inospitalidade do mundo numa idade ainda que muito precoce. Winnicot(1976) aponta para a incidência deste ocorrido ainda na fase de gestação, onde a criança já não era desejada. Sendo assim, ela nunca teve um lugar no mundo reservado para ela, onde ela pudesse se desenvolver e dar sentido às histórias das pessoas que a cercam. O mundo lhes foi negado num momento em que a criança precisava dele ainda para descobrir as suas emoções. As emoções são mecanismos psíquicos fundamentais para a construção do eu, para a formação do sujeito como uma unidade no mundo. Sem esta unidade, sem este EU, a criança é uma massa caótica (parafraseando Winnicot), um espaço vazio. E voltando para as emoções que antecedem a formação deste eu, elas só são possíveis na presença de um outro. À partir do momento que o outro permite, nega, oferece e toma, a criança apresenta reações como o choro ou o sorriso. Conceitos como o Holding ou o Handling (Winnicot, 1962) é que vão estabelecer a qualidade na maneira como as emoções se desenvolvem na criança. Mas por outro lado, como as emoções se desenvolverão quando o outro se ausenta? Até então, a única referência de mundo que essa massa caótica chamada criança possui de mundo é o outro. Se o outro não existe, o mundo para a criança também não existe.
Para Winnicot, a Criatividade é o mecanismo existente entre o ser e o mundo através do qual o mundo legitimará cada vez mais a existência deste ser. É outro passo para a construção do Eu: a Criatividade. O que eu faço deve de alguma forma ou de outra ter algum efeito no mundo, só assim eu percebo que dentro do meu corpo existe algo que dá sentido ao fato deu estar habitado neste. O sujeito se reconhece e reconhece o mundo pela sua criatividade; assim sendo, podemos entender a criatividade como um mecanismo de sobrevivência no mundo. E se o mundo se torna inexistente para o sujeito, como na situação anteriormente citada? Como fica essa sobrevivência? A resposta é a Criatividade. Só que ao contrário do saudável, essa sobrevivência ocorrerá em outro plano: através da criação de um mundo próprio, aonde a sua criatividade possa ser reconhecida. Tom Cruise no filme Rain Man (1989) até explica o autismo dessa maneira: “uma pessoa que vive num mundo só dela”.
É uma interpretação mais verdadeira e até mais saudável do autismo, uma pessoa que optou por um modo de sobrevivência no mundo. Pena que o preço que se paga do essa opção é um pouco alto, pois o mundo existe materialmente e a criança autista sempre se esbarra nele. Alguns conseguem se adequar através de rituais bem específicos, mas como o mundo acontece a cada instante, eles acabam por se esbarrarem em sua imprevisibilidade. O mundo tem as suas leis, e o autista não as reconhece. Segundo F. Tustin (1964), a criança autista percebe o mundo(ambiente) como sendo uma extensão de seu corpo. Assim sendo, é doloroso para ela esbarrar em seu próprio corpo, percebendo que este possui falhas em seu funcionamento.
Como consideração final sobre o autismo, posso dizer que não é só a criança que não compreende as leis do mundo; o mundo também não compreende a criança autista. Não consegue acolher essa criança no seu estado já cronificado. Também pudera, não é possível de se estabelecer um diálogo convencional com ela. Os educadores sofrem com o seu comportamento de quebrar as coisas, de urinar e fazer fezes sem o menor aviso prévio. A sensação de estranheza que atravessa o autista também atravessa as pessoas que estão diante delas e muitos sentimentos – tal qual a rejeição precoce por parte da mãe que originou o transtorno. Semana passada assisti ao filme “minha esperança é vocÊ”(foto), dirigido por John Cassavetes em 1962 - Uma raridade: um filme desta época registrando o tratamento com crianças excepcionais. Neste filme, o pai do protagonista autista fala o seguinte quando a sua esposa lhe perguntara se ele não sente nada pelo filho: “sinto sim... sinto vontade de abandoná-lo... minha vida era cheia de planos, e hoje, eu gastei tudo por ele não tenho mais nada”. Não podemos culpar este pobre personagem pelo que ele sente, mas também não podemos tirá-lo de sua responsabilidade, pois este sentimento é derivado do que a criança também sente por habitar nesse mundo. Os profissionais que trabalham com este público também precisam superar este sentimento de rejeição. É um trabalho de duplo esforço. Uma vez que o sentimento de rejeição é afastando, criamos espaços livres em nossa razão para alcançar o mundo da criança autista – reconhecer suas motivações, suas afinidades. Quando a criança reconhece que existe um mundo que reconhece os seus desejos, cria-se a possibilidade desta direcionar a sua criatividade para este novo mundo. O afeto é a grande chave para o sucesso deste profissional.