Vai começar mais um carnaval pernambucano. Mais uma manifestação de alegria, sensualidade, musicalidade e excentricidade. Época em que Colombina pede licença a Alecrim para ir atrás de Pierrô. E essa terra de Manuel Bandeira é que o bicho pega. Os clubes e as ruas se enchem de pessoas fantasiadas ou não, de grupos dos mais variados estilos musicais daqui (e de fora também, ponto que vou destacar logo mais), bonecos gigantes, dançarinos de frevo, barracas e isopores vendendo bebida e comida. O antigo e o novo se encontram, o rico e o pobre também. Sejam misturados na rua, ou segregados em seus clubes carnavalescos. Uma coisa é certa: o Carnaval é pra todos. Haja democracia, e justa por sinal; pois a vida é tão dura e todos devem ter o mesmo direito de esquecer problemas durante quatro dias. Há muita coisa a ser dita sobre o carnaval, principalmente por mim, que venho curtindo esta brincadeira há doze anos no mesmo endereço: Olinda e Recife antigo. Mas é sobre outra coisa que eu queria tratar aqui; tem haver com o carnaval, mas é um triste fenômeno que de tão recorrente, parece que é sempre novo: a Desvalorização da nossa cultura.
Vinha eu percorrendo o caminho de volta para minha depois de deixar minha irmã mais nova, Miriam, em seu trabalho, quando – parado no engarrafamento da avenida Agamenon Magalhães – ligo o rádio na minha estação predileta, a Universitária FM 99.9, para ouvir o programa comandado e apresentado pelo compositor de frevo, Hugo Martins, e intitulado: Carnaval 2011. Programa em que, assim como na emissora de um modo geral, a cultura pernambucana é defendida a todo o instante. Nesse dia, Hugo havia recebido um convidado especial: Geraldo Maia - cantor natural de Pernambuco, que procura tanto reinventar a nossa música, sem perder de vista as nossas raízes, como também homenageia cantores do passado que foram marcantes em sua influência musical. Pois bem; só que nesse dia, Geraldo Maia encontrava-se indignado com o tratamento oferecido pelos nossos governantes à nossa cultura popular, e expressou toda a sua indignação através de ataques severos e emocionados, e que mexeu tanto com as minhas emoções quanto com as minhas opiniões. O fato: Geraldo Maia não teve o seu projeto de show para o carnaval aprovado pela Fundarpe (Fundação do patrimônio histórico e artístico de Pernambuco) em nenhum dos espaços, em nenhuma cidade do estado inteiro. Foi triste para o carnaval de Pernambuco; não somente porque foi ele, Geraldo Maia, quem ficou de fora, mas assim como ele, muitos artistas que estão batalhando para terem o seu trabalho reconhecido, também ficaram. No decorrer da sua fala, Geraldo falou que colegas alguns dele, hoje reconhecidos e consagrados, tiveram o seus projetos aprovados e ganharam até quinze espaços de apresentação, enquanto ele ficou sem nenhum. Ele não citou nomes, mas quem conhece o carnaval daqui, deve saber bem quem são. A questão é: o que será da música pernambucana e do seu carnaval nos próximos anos se não permitirmos que novos artistas possam mostrar o seu talento? O que vai ser quando esse que estão aí consagrados morrerem? É preciso dinamizar mais a aparição destes artistas, permitir que saiam da toca, valorizar o que é produzido na nossa terra. Por falar em valorização, esse é o tema central. Tô contigo, Geraldo Maia.
Acompanhando outras edições do programa de Hugo, sempre com convidados indignados, é que percebemos o estado em que se encontra a valorização da nossa cultura. Só pra citar alguns exemplos: 1)O presidente do bloco “Virgens do Bairro novo” de Olinda proibiu orquestras de frevo de desfilarem no bloco. Frevo é a música mais característica do nosso carnaval, e é bem sofisticado, com metais e tambores soando alto. Pena que aos olhos de uns mais jovens pareça música de velho. 2) O prefeito do Recife, João da Costa (também conhecido como João da Bosta) juntou a festa do rei momo com a eleição do rei e rainha do carnaval, do baile municipal. Diga-se de passagem que a festa do rei momo é uma tradição. O que me deixou feliz foi a resistência de algumas pessoas que conseguiram realizar a festa do rei momo sem a prefeitura. Com isso, não quero dizer que todas as pessoas são imbecis e ignorantes com a sua cultura, nem que não devemos trazer grupos de fora para cá; mas que o carnaval deveria priorizar a nossa cultura, pois o grande problema dela é simplesmente um problema de valorização. Hugo Martins elogia bastante o baiano, porque sabe valorizar a sua cultura, a sua música. No carnaval, eles só tocam música baiana. E viva o povo baiano, tô com você hugo!! O baiano não invade lugar nenhum, nós é que mandamos chamar o baiano. Garanto que se não fosse pela valorização, o Samba-Reagae tocado naqueles trios-elétricos da Bahia, seria uma música tão chata de se ouvir quanto é o frevo aqui para algumas pessoas.