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quinta-feira, 28 de junho de 2018

Indiferença, Nada e o Som do silêncio


                
                   
                   Como podemos sobreviver a um mundo inóspito e indiferente? Talvez não sobrevivamos. Talvez já estejamos mortos e nem sequer saibamos. Nos mantemos presos ao mastro de vela em um barco que navega num oceano cuja linha do horizonte não indica presença de terra firme.
                Não podemos nos referir à indiferença como um sentimento, pois isso seria uma contradição em termos. A indiferença significa justamente a ausência de sentimentos pelo outro, de atenção, de cuidado... de afeto. Diante de um ser indiferente, o herói da trama pode se deparar com o maior dos inimigos: O Nada. Assim como Michael Ende em seu livro, a “História sem fim” pode encontrar o seu fim em um mundo que não a acolhe com a força da imaginação. Se não somos devidamente acolhidos pelo outro, somos reduzidos ao nada, ao inexistente. Neste momento, a vida perde sentido, substância, e podemos nos entregar à experiência do absurdo. Por absurdo, entenda-se: Falta de sentido, de direcionamento para a vida. O olhar do outro representa bem um direcionamento para a vida, pois podemos dormir e acordar sabendo que hoje iremos fazer bem a alguém. Precisamos disto para viver uma vida mais significativa e menos ordinária. E se não existe, podemos chegar ao ponto de não nos reconhecermos nem diante de um espelho. Ora, se não sou visto e reconhecido por outrem, então quem será este estranho que nos olha fixamente na imagem refletida? Parece loucura? Pois é só o começo.
                Diante do olhar indiferente, temos duas opções básicas: Aceitamos a sua indiferença e abandonamos o olhar morto ou vivemos a angústia absurda e humilhante de tentar nos inserir neste campo de visão que não reconhece a nossa integridade. A primeira escolha foi tomada por psicóticos e autistas que, percebendo a inospitalidade do mundo, decidiram por se recolher ao seu mundo interior, fruto da sua imaginação, povoado por dragões, reis, rainhas e príncipes (engraçado como a classe camponesa não comparece nesses delírios). A eles pertence a história sem fim, que não deixa de ser engolida pelo nada por não encontrar lugares de partilha no mundo. Os operários da saúde mental pós reforma psiquiátrica são pessoas empenhadas em emprestar um olhar diferenciado com o propósito de oferecerem lugar no mundo para esses cidadãos marginalizados. Os esforços, quando bem sucedidos, acabam por revelar seres humanos surpreendentes, mas que ainda sim, continuam incompreendidos por carregarem o estigma social da doença psicológica. Por trás do estigma e do preconceito, há o retorno do olhar indiferente que ignora o outro.
                E quanto ao indiferente? Quais o elementos que regem o olhar deste ser? Ausência de empatia, egocentrismo, apatia? Será que ele também vive experiências de vazio existencial? Se você é um desses e está lendo este texto, deve encontrar respostas para tais perguntas no seu íntimo. O fator principal é a prática da indiferença e do desinteresse pelo outro que, quando multiplicado e tornado uma prática comum, pode condenar uma sociedade inteira a viver no vazio existencial. Por mais que vazio existencial seja um tema não muito relevante nas ciências psicológicas brasileiras, ele é o responsável por altos índices de suicídio, depressão e uso abusivo de drogas na nossa sociedade. A solidão, ausência de respostas e desamparo são outros elementos que marcam a experiência do atormentado pelo vazio existencial. Este pode estar se encontrando sozinho e na companhia do som do silêncio. E por falar em som do silencio, encerro este texto com a música e a letra dos mestres da música folk, Simon e Garfunkel. Boa noite a todos!


O Som do Silêncio
Olá escuridão, minha velha amiga

Eu vim falar com você novamente

Porque uma visão suavemente sinistra

Deixou suas sementes enquanto eu dormia

E a visão que foi plantada em minha mente
Ainda continua dentro do som do silêncio

Em sonhos agitados eu caminhei sozinho

Ruas estreitas de paralelepípedos

Sob a luz de uma lâmpada de rua

Eu virei meu colarinho para o frio e a umidade

Quando meus olhos foram apunhalados

Pelo lampejo de uma luz de neon

Que dividiu a noite

E tocou o som do silêncio

E na luz nua eu vi

Dez mil pessoas, talvez mais

Pessoas falando sem conversar

Pessoas ouvindo sem escutar

Pessoas escrevendo canções

De vozes que nunca se compartilham

E ninguém se atreve

Perturbar o som do silêncio

Tolos -, disse eu -, vocês não sabem

Silêncio cresce como um câncer

Escute minhas palavras que talvez eu possa te ensinar

Pegue em meus braços que talvez eu possa te alcançar

Mas minhas palavras, como gotas silenciosas de chuva caíram
E ecoaram nos poços do silêncio

E as pessoas se curvaram e oraram

Ao Deus de neon que elas fizeram

E a placa piscou o seu aviso

E as palavras que estavam formando

E o aviso disse

As palavras dos profetas

Estão escritas nas paredes do metrô

E nos corredores dos cortiços

E sussurradas no som do silêncio