Como
podemos sobreviver a um mundo inóspito e indiferente? Talvez não sobrevivamos.
Talvez já estejamos mortos e nem sequer saibamos. Nos mantemos presos ao mastro
de vela em um barco que navega num oceano cuja linha do horizonte não indica
presença de terra firme.
Não
podemos nos referir à indiferença como um sentimento, pois isso seria uma
contradição em termos. A indiferença significa justamente a ausência de
sentimentos pelo outro, de atenção, de cuidado... de afeto. Diante de um ser
indiferente, o herói da trama pode se deparar com o maior dos inimigos: O Nada.
Assim como Michael Ende em seu livro, a “História sem fim” pode encontrar o seu
fim em um mundo que não a acolhe com a força da imaginação. Se não somos
devidamente acolhidos pelo outro, somos reduzidos ao nada, ao inexistente. Neste
momento, a vida perde sentido, substância, e podemos nos entregar à experiência
do absurdo. Por absurdo, entenda-se: Falta de sentido, de direcionamento para a
vida. O olhar do outro representa bem um direcionamento para a vida, pois
podemos dormir e acordar sabendo que hoje iremos fazer bem a alguém. Precisamos
disto para viver uma vida mais significativa e menos ordinária. E se não existe,
podemos chegar ao ponto de não nos reconhecermos nem diante de um espelho. Ora,
se não sou visto e reconhecido por outrem, então quem será este estranho que
nos olha fixamente na imagem refletida? Parece loucura? Pois é só o começo.
Diante
do olhar indiferente, temos duas opções básicas: Aceitamos a sua indiferença e
abandonamos o olhar morto ou vivemos a angústia absurda e humilhante de tentar nos
inserir neste campo de visão que não reconhece a nossa integridade. A
primeira escolha foi tomada por psicóticos e autistas que, percebendo a
inospitalidade do mundo, decidiram por se recolher ao seu mundo interior, fruto
da sua imaginação, povoado por dragões, reis, rainhas e príncipes (engraçado
como a classe camponesa não comparece nesses delírios). A eles pertence a
história sem fim, que não deixa de ser engolida pelo nada por não encontrar
lugares de partilha no mundo. Os operários da saúde mental pós reforma
psiquiátrica são pessoas empenhadas em emprestar um olhar diferenciado com o propósito
de oferecerem lugar no mundo para esses cidadãos marginalizados. Os esforços,
quando bem sucedidos, acabam por revelar seres humanos surpreendentes,
mas que ainda sim, continuam incompreendidos por carregarem o estigma social da
doença psicológica. Por trás do estigma e do preconceito, há o retorno do olhar
indiferente que ignora o outro.
E
quanto ao indiferente? Quais o elementos que regem o olhar deste ser? Ausência
de empatia, egocentrismo, apatia? Será que ele também vive experiências de
vazio existencial? Se você é um desses e está lendo este texto, deve encontrar respostas
para tais perguntas no seu íntimo. O fator principal é a prática da indiferença
e do desinteresse pelo outro que, quando multiplicado e tornado uma prática
comum, pode condenar uma sociedade inteira a viver no vazio existencial. Por
mais que vazio existencial seja um tema não muito relevante nas ciências psicológicas
brasileiras, ele é o responsável por altos índices de suicídio, depressão e uso
abusivo de drogas na nossa sociedade. A solidão, ausência de respostas e
desamparo são outros elementos que marcam a experiência do atormentado pelo
vazio existencial. Este pode estar se encontrando sozinho e na companhia do som
do silêncio. E por falar em som do silencio, encerro este texto com a música e
a letra dos mestres da música folk, Simon e Garfunkel. Boa noite a todos!
O Som do
Silêncio
Olá
escuridão, minha velha amiga
Eu vim falar com você novamente
Porque uma visão suavemente sinistra
Deixou suas sementes enquanto eu dormia
E a visão que foi plantada em minha mente
Ainda continua dentro do som do silêncio
Em sonhos
agitados eu caminhei sozinho
Ruas estreitas de paralelepípedos
Sob a luz de uma lâmpada de rua
Eu virei meu colarinho para o frio e a umidade
Quando
meus olhos foram apunhalados
Pelo lampejo de uma luz de neon
Que dividiu a noite
E tocou o som do silêncio
E na luz
nua eu vi
Dez mil pessoas, talvez mais
Pessoas falando sem conversar
Pessoas ouvindo sem escutar
Pessoas
escrevendo canções
De vozes que nunca se compartilham
E ninguém se atreve
Perturbar o som do silêncio
Tolos -,
disse eu -, vocês não sabem
Silêncio cresce como um câncer
Escute minhas palavras que talvez eu possa te ensinar
Pegue em meus braços que talvez eu possa te alcançar
Mas minhas palavras, como gotas silenciosas de chuva caíram
E ecoaram nos poços do silêncio
E as
pessoas se curvaram e oraram
Ao Deus de neon que elas fizeram
E a placa piscou o seu aviso
E as palavras que estavam formando
E o aviso
disse
As palavras dos profetas
Estão escritas nas paredes do metrô
E nos corredores dos cortiços
E sussurradas no som do silêncio