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terça-feira, 13 de julho de 2010

O mal da felicidade 2 – a salvação de uma farra


(Dedico esta postagem a Sophia. Não a conheço pessoalmente, mas é a maior leitora e comentarista do meu blog. Pessoas como ela motivam a dinâmina deste pequeno tripé para o mundo das letras. Se for solteira e gata, louvada seja. Se for feia e comprometida, abençoada seja.)

Quem canta, seus males espanta. Mas quem silencia, nem sempre seus males anuncia. Então, por que temos sempre que nos incomodar com aquele nosso amigo que está calado, pensativo em um momento de muita euforia coletiva? Por que temos que discriminá-lo, logo ele, que costuma nos presenteia com um imenso prazer em forma de presença? Será que é por isso? Estamos tão habituados com um prazer que a sua presença alegre nos proporciona de modo que se torna inadmissível o fato da sua alegria eufórica não esteja tão presente quanto a sua pessoa física? É aí que impera o regime ditatorial da felicidade. Não aceitamos a presença de pessoas morgadas* em ambientes vigiados pelo exército vermelho da felicidade. Todos somos componentes deste exército, e se nos comportamos de maneira “morgada”, é sinal de que estamos traindo nossa corporação. Ainda posso ir um pouco mais além: Trata-se de um exercito fraco, pois carece de autonomia individual, mecanismo de sobrevivência fundamental em casos de falha do sistema coletivo. Dá pra entender até que a tal felicidade não emana do nosso interior – como acontece com o glorioso conhecimento. Parece que ela vem de fora, nos tornando dependentes de ambientes alegres tal qual um viciado em crack ou uma pessoa carente de afeto.



Retomando a premissa inicial: quem silencia, nem sempre seus males anuncia. Isso. Apesar do erro de concordância por seguir a rega popular, este ditado inventado por mim diz respeito a qualidades que podem possuir algumas pessoas que estão silenciosas em momentos de muito barulho. Elas podem estar refletindo sobre algo, analisando o ambiente, zelando pelos amigos por livre e espontânea vontade. Sem que o momento nos permita dar conta disso, essas pessoas acabam sendo muito importantes em momento de farra. Tomo a farra como exemplo por representar a alegria a qual me refiro; e mais, subsidiadas por elementos simbólicos da suposta alegria: álcool, mulheres, música, e por aí vai. O silencioso pode assumir um papel mais importante que muitos dos outros que estão inseridos no contexto não podem assumir. Muito além disso, pode ser a pessoa mais disposta a bater um papo diferenciado do contexto. Por essas e outras é que ele pode ser a salvação da farra, aquele elemento capaz de nos fazer realmente felizes. Claro, ele pode estar preocupado com algum particular, mas há de ser respeitar segundo a boa moral; e fazendo isto, nos sentimos bem melhor ajudando este amigo do que finalizando a farra com algum sexo frustrante. Podemos viver momentos de sinceridade e ternura tendo a farra como pano de fundo, lembramos sempre de que aquela felicidade toda é fugaz e incomparável à nobreza de espírito que um certo silêncio da noite pode nos trazer.

*Termo popular, que de tão vago, designa qualquer comportamento que se assemelhe a melancolia ou que não corresponda com os padrões limitados da alegria exaltada em harmonias coletivas

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Mateus!
    Esse é um dos seus melhores posts. Resolvi comentar neste, simplesmente porque me identifiquei muito em diversas partes dele.
    Reflexões sobre a felicidade - muitos são os momentos da minha vida dedicados a isto.
    Acredito, porém, que a felicidade está onde estamos, em desfrutar daquilo que acreditamos e do que nos é inerente. Mas o conceito dessa tal felicidade é tão variante de ser humano para ser humano que se torna banal nos dias de hoje.
    Então, tudo pode se resumir a um clichê habitual do tipo: não existe felicidade eterna, o que existem são momentos felizes. E, a grande maioria, se contenta com isso. Daí poucos percebem o valor de suas amizades (“aquele nosso amigo que está calado, pensativo em um momento de muita euforia coletiva”). Isso porque o ser humano é um ser de carência, ele vive com a sensação da falta. Creio que seja pelas transformações das quais o homem vem sofrendo, transformações estas que convertem os nossos instintos em linguagem (seja ela corporal, falada etc). E o que seria essa linguagem? A procura de algo que vai suprir, dentro de nós, a falta.
    Resumindo tudo isso – porque senão será um post dentro de outro post – há algo que você explicitou que está muito correto que é o “momento de muita euforia coletiva” – essa tal felicidade que é exterior, forjada e que não passa de cosmética e, esse tipo de linguagem, não está ligada ao prazer propriamente dito.
    Então, abrimos o nosso campo de visão e: Enxergamos nosso amigo tendo “a farra como pano de fundo”. Aquele nosso amigo que não tem o imediatismo de uma farra, mas que nos proporciona a possibilidade liberta de uma conversa, fazendo com que aquele momento nos constitua como indivíduos. Isso sim nos lega um prazer permanente – o da lembrança.
    Acho que já falei demais, né?
    É só!

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  3. Fiquei feliz com a dedicatória do post. Não imaginava ser tão interessante,nem a possibilidade de interação por um blog. Apesar de não ser o contexto do escrito, confesso ter rido um pouco, pois de início não soube bem se mereceria o louvor ou a benção(rsrsrs)...beleza é meio subjetivo. Deixe-me entre as abençoadas porque alguma explicação há...sou uma boa amiga(assim me enquadro melhor).
    Achei o texto dos mais interessantes. Sensibilíssimo. Algumas questões já me vieram sobre o fato em momentos bem distantes: será que temos de ser tão iguais? Por que nossas respostas precisam ser as mesmas se nossos estímulos são diferentes? Sei bem que para nos enquadrarmos nos grupos precisamos de similaridades...qual a medida? Por que uma pessoa quieta pode curtir menos só porque exprime menos?
    Deixo em aberto...
    Até o próximo.

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  4. bem legal.... trilegal, como dizem os gauchos. Sobre felicidade, já se escreveu muito (lembro-me agora de um livro recém-lido, um - como diz o nosso amigo faé - "calhamau" (procurei no Google e não achei: palavra hierregional, certamente do eixo Olinda/Recife-Caetés) de quase mil páginas sobre o assunto, que inventaria relfexões sobre o assunto desde os gregos....
    Coisas de acadêmicos, que não esgotam, é verdade, o sentido inebriante de estar com amigos, em uma farra, talvez ajudado por álcool ou outra droga de ocasião. E em outros momentos inebriantes, curiosamente lúcidos...
    Mas é isso, caro amigo, ser feliz, estar feliz, sentir-se bem... são coisas que se procuram, acham, perdem.... mas são coisas bem presentes em nossas reflexões do coditiano ... talvez aquela do teu amigo calado, que não tem males para espantar ...
    Ah, o nome do livro: história moral:história argumentada - da filosofia moral e política. A felicidade e o útil.
    abraços e até mais ver

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