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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Guilherme Lamounier e um pouco do cenário musical brasilero da década de 70



Falar de Guilherme Lamounier é fazer uma viagem à cena musical brasileira da década de setenta, bem como se aventurar teoricamente em busca de entender os motivos que fez com que um artista tão bom como ele fosse completamente esquecido. Tomo-o como referência porque o descobri recentemente e venho escutando ele bastante no toca-CD do meu carro; mas deve-se levar em conta que o mal do ostracismo recaiu sobre uma centena de artistas daquela época. Ao final deste texto, pretendo responder às seguintes questões: 1) Quem foi Guilherme Lamounier? ; 2) Como se define o cenário musical brasileiro daquela época? 3) O que levou Guilherme Lamounier a ser a ser deletado da memória da nossa música? E vamos embora... pra lá de Bora Bora.

A história de Guilherme Lamounier tem início em vinte e cinto de novembro de 1950, quando ele nasce. De início, ele morou no Canadá, onde fora alfabetizado na língua inglesa. Depois voltou pro Rio de Janeiro, sua cidade natal, e lá permaneceu até hoje, indo uma vez ou outra para os Estados Unidos. Sua família era quase toda composta por músicos renomados, o que faz com que o destino de Guilherme não fosse diferente. Sua estreia musical fora aos dezessete anos, quando este integrou um grupo chamado Todas as estrelas, onde atuou como vocalista. Foi em 1969, com o término da banda, que Guilherme Lamounier se lançou em carreiro solo e lançou o seu primeiro LP homônimo em 1970. Para resumir de vez a sua trajetória musical: Foram cinco álbuns e um EP, lançados até o ano de 1984, quando ele deixou de gravar devido às influencias musicais oitentistas e ao desgaste causado pela exploração midiática das suas músicas; mas isso não o impediu de continuar compondo. Prefiro me ater aqui à sua música, repleta de influências norte-americanas: uma mistura Folk-rock (ritmo do qual sou apaixonado), Blues, Funk-Soul e country, resultando numa música alegre, contagiante e nostálgica. Algumas de suas canções foram regravadas por artistas como Fábio Jr. (“Enrosca", também regravada doze anos depois por Sandy e Júnior, e “seu melhor amigo”) e Zizi Possi (“um toque de amor”, uma das minhas canções favoritas de Guilherme Lamounier). O mais interessante eram as suas letras: tratavam de ideais do movimento Hippie americano, porém, com uma conotação ingênua, acreditando num ideal puro de vida, baseado em naturalismo, no anti-materialismo, alienação e amor puro. Assim sendo, é muito comum ouvir temas como liberdade, desapego às coisas materiais, alucinações psicodélicas e culto a natureza sendo tratados de forma tão poética na música de Guilherme Lamounier. Haja charme e talento.

Por outro lado, tem o cenário da música brasileira da década de setenta, onde eu tento responder ao segundo quesito proposto no primeiro parágrafo. Os anos 70 foi o período de ascensão da MPB, gênero musical brasileiro que se caracterizava mais como um movimento de vanguarda, pois se propunha a criar uma música que fosse tipicamente brasleira. Assim sendo, é um gênero de difícil definição por englobar um infinidade de ritmos nacionais. Recebeu tal denominação (MPB) devido aos espaços de manifestação: os Festivais da música brasileira, que aconteciam no espaço Guarujá, em São Paulo, e divulgado pela extinta TV Excelsior. Os artistas mais aplaudidos nestes festivais formaram uma vanguarda musical que se manteve até hoje: são artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Outros sumiram do mapa, mas ainda assim são lembrados – como Geraldo Vandré, Sérgio Sampaio e Taiguara. A união que fortaleceu a notoriedade destes artistas se deveu ao clima de agitação causado por um período de ditadura militar no coração dos jovens artistas que ousaram contestar o regime através da música. Assim, as canções que formavam a vanguarda musical correspondiam com os valores da juventude daquela época, contestando o regime autoritário num misto de amor com rebeldia. Quem não se adequava a esses padrões ficava de fora da vanguarda e corria um sério risco de passar despercebido pela massa. Outros que também ficaram de fora poderiam ser notados na década seguinte, onde uma grande inversão de valores acontecia, e a música engajava daria espaço ao rock da babaquice dos anos 80. Lógico, também não devemos esquecer os artistas populares da música romântica, tais como Roberto Carlos, que serão eternamente lembrados pelo povão, que se identificava muito mais com eles do que com a tal MPB, que era o foco de adoração das classes médias universitárias. Os excluídos foram aqueles que se propuseram mais pra MPB do que para o romântico, mas sem abarcar o seu caráter nacionalista e nem tampouco se engjando na luta.

Eis que agora entramos na terceira questão: O que levou Guilherme Lamounier a ser a ser deletado da memória da nossa música? Bom, os dois últimos parágrafos servem de premissa para que se possa responder a esta pergunta. Se o cenário musical brasileiro dos anos setenta, elegia os seus ídolos por suas letras engajadas e por suas influencias musicais puramente regionais, então Guilherme Lamounier não poderia entrar nessa lista. Suas letras que falavam de amor ou de liberdade de uma forma ingênua parecem não haver despertado tanto o interesse de ouvintes mais sedentos por revolta contra o regime em vigor naquele momento. Isso sem falar nas suas influências musicais, quase todas americanas, de modo que eu até me arrisco a afirmar que ele foi um legítimo representante do Folk-Rock brasileiro, ritmo que praticamente não existiu. Quebrou a cara, se esbarrando no sentimento anti-americanista que imperava na conciência da classe média da época e que representavam um grande número de vozes e votos no Brasil.

Por outro lado, algumas fontes biográficas virtuais afirma que ele simplesmente abriu mão da indústria fonográfica por vontade própria, pois não se sentiu bem com os rumos que esta estava tomando, optando assim, por uma vida tranquila. Tudo bem se fosse só isso, mas porque do esquecimento? Digo e repito, ele é apenas uma referência para um mal que atingiu muitos artistas daquela época, assim como foi com Wilson Simonal – Talvez o caso mais famoso de ostracismo da música brasileira – que fez muito sucesso durante um tempo, até ser tachado de delator da ditadura militar, e consequentemente, ser rejeitado pela população. Eis que surge uma tese a se trabalhada em outros próximos textos: “as esquerdas brasileiras sempre foram dominantes no que diz respeito à criação artística e sua difusão através da mídia, ao contrário do que muitos pensam”. Essa tese já foi defendida pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, pelo grande jornalista e intelectual Paulo Francis e pelo saudoso cronista e escritor Nelson Rodrigues. Serei eu o próximo a defendê-la. Mas agora, prefiro ficar com Guilherme Lamounier, este compositor que ainda será redescoberto; afinal, o Brasil precisa da sua música.

Aqui vai os links da sua discografia para os interessados. Basta copiar e colar na barra de navegação:

Guilherme Lamounier 1970
http://www.4shared.com/file/102016509/331da959/Guilherme_Lamounier_1970.html

Guilherme Lamounier 1973
http://www.4shared.com/file/102141233/63c1616d/Guilherme_Lamounier_1973.html

Guilherme Lamounier 1978
http://www.4shared.com/file/102147532/34e218a2/Guilherme_Lamounier_1978.html

Compactos 1975 - 1984
http://www.4shared.com/file/102145092/62cffa48/Compactos_1975-1984.html

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A morte


Gosto muito dos meus leitores, mas hoje acordei com desejos sádicos e sadomasoquistas; por isso, vamos tratar de um tema pouco agradável: a morte. Aperta o cinto, Sophia. Este tema soa indigesto, pois consiste no único paradigma imutável de nossa existência: a certeza de que vamos morrer um dia. Cultivamos duas coisas em nossas vidas: as metas para se alcançar o status da felicidade e os pequenos prazeres, onde o tempo parece congelar e dar lugar ao eterno. Esta horta nos permite ignorar a cada instante o pensamento sobre a morte. Mas desde já, não vou ignorá-la, vou judiar um pouco de mim e de vocês. E ai, leitor? Como será a sua morte? Sabe aquela dor física insuportável, a maior que você vai sentir na sua vida, tanto que seu corpo não resistirá? Pois é, ela vai vir. Estarás preparado? Quanto será que vai doer? E a dor? Esta é a que mais nos apavora. Ao saber que vamos ter que passar por uma cirurgia, arrepia até o cabelo do dedo do pé, quando projetamos o sentimento para a dor que vamos sentir no processo.


Pois é, por maior que seja o nosso bem-estar físico e psíquico, a dor virá nos castigar, e tudo será somente uma questão de decisão do maior agente de toda a nossa existência: o tempo. Esse aí é o mais sacana de todos, pois ele tem o poder absoluto. Quando pensamos que temos poder de mudar o mundo, ignoramos uma força muito maior que do que nossas mentes e nossas mãos... o senhor tempo. O tempo é quem realmente domina; do contrário, tudo o que se iniciaria não necessariamente teria um fim. E a verdade é esta: tudo tem um fim. Nada vai ficar, nem as memórias culturais mais resistentes ao tempo, como a de Jesus Cristo, por exemplo. Será que Jesus vai ser esquecido um dia também? Com certeza, será. Sabe-se lá se até então o tempo encontrará outro adversário tão poderoso quanto Jesus Cristo.


Quando criança, eu dei os meus primeiros suspiros filosóficos ao perguntar ao meu tio “Faé” se todos iriam morrer, inclusive eu. A resposta afirmativa dele foi um choque de milhões de volts. Eu me lembro de que chorei demais nesse dia, e desde então, eu não vivo um dia sem pensar por alguns instantes que em algum momento eu vou morrer. Eu fantasiava até sobre uma tal “pílula da imortalidade” que algum cientista competente iria descobrir antes que eu morresse. Pena que isso não aconteceu até agora. Na verdade, hoje eu penso que não gostaria realmente de ser eterno; porém, seria ótimo que pudéssemos viver mais do que esse período de permanência que o agente tempo nos permite viver. 60, 70, 80, 90 e agora 100... é muito pouco. O ideal seria que pudéssemos viver até 500 anos – aí sim, eu acreditaria que nas palavras de uma pessoa idosa de quinhentos anos que diz estar enjoada de tanto viver.


Bom, peço desculpas a alguns leitores mais religiosos do que eu. Eu sou um cara de fé, acredito em verdades universais, penso muito sobre a ética, o bem e o mal, sobre a salvação da humanidade. Até na eternidade espiritual eu acredito. O problema é o tamanho da subjetividade que abarca a idéia de morte e todos os afetos que a envolve. Por falar nisso, preciso assistir ao filme “nosso lar”, baseado na obra homônima de Chico Xavier; acredito que vai me render muitas palavras para um próximo texto sobre este tema. Atrai-me bastante a ideia de que somos espíritos encarnados, e por isso, a vida se estende além deste corpo. O problema é que ‘apenas’ atrai. Quanto a acreditar é preciso que meu sonho mais existencial se realizasse: receber a visita de um espírito desencarnado. Ah, como seria bom, eu faria milhares de perguntas a ele.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eleições 2010 - Apenas sobre os presidenciáveis



Cá estou eu novamente me aventurando pela madrugada em mais uma noite de insônia. Por coincidência, ontem foi dia de sambão no Morro da Conceição. Já estou começando a achar que a razão da minha insônia encontra-se nos energéticos que ando tomando misturados com uísque. Mas que bom que seja assim, pois a madrugada é realmente o melhor horário para escrever, tamanho é o grau de intimidade com si próprio que este horário proporciona ao escritor. Era assim com Clarisse Lispector. Mas vamos lá, vou aproveitar pra refletir um pouco sobre as eleições do ano de 2010 mesmo que tardiamente, faltando apenas uma semana para o sufrágio. Começo dizendo que percebo uma semelhança no quadro eleitoral desde a primeira eleição do Pesidente Lula. Como seria este quadro? É o quadro do marketing político. Lógico que isto não é recente, mas parafraseando o atual presidente, “nunca na história deste país” o marketing foi tão decisivo na opinião dos eleitores. É de fazer chorar, pois não há mais debates de idéias e propostas políticas. A candidata Dilma não está nem um pouco preocupada em comparecer ao debate político, pois sua campanha está subsidiada pela figura popular do presidente Lula. Aliás, o povo não sabe das propostas políticas de Dilma; há muitos quem duvidam que ela irá governar. Talvez ela seja apenas uma laranja para que o atual presidente exerça o seu terceiro mandado por debaixo dos panos.


Por outro lado, temos uma fraca oposição representada em primeiro lugar pelos candidatos a presidente José Serra e Marina Silva. O primeiro foi ministro da saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso, e poderia usar isto para apontar as mentiras ditas pelo presidente Lula a respeito do atual cenário socioeconômico do país, onde ele atribui a si próprio a responsabilidade pelos principais avanços. As raízes da estabilidade econômica foram plantadas lá atrás no governo de FHC, e Lula soube usar isso muito bem, dando continuidade aos planos traçados pelo presidente anterior. Só que nada de inovador foi feito pelo atual presidente em seus dois mandatos, que ao final, acabou adotando uma postura conservadora e muitas vezes retrógada, quando este resolve voltar atrás dos ideais da democracia, atacando a liberdade de imprensa. O único diferencial apresentado por ele foi a ampliação dos programas sociais, coisa que só foi possível graças à estabilidade econômica. Desde o seu primeiro mandato, percebemos o país caminhando para uma Democracia popular, ou seja, uma forma bem menos evoluída de democracia, onde se conta apenas a opinião da maioria. O reflexo disto pode ser visto na própria corrida eleitoral, onde o presidente pratica descaradamente seu clientelismo, pedindo voto pros fulanos seus amigos enquanto acusa o outro candidato de “aético” porque este protestou contra a violação de sigilo fiscal da sua família. E o direito de protestar, não faz parte dos ideais da democracia? A lei não surge no aqui e agora porque uma maioria decidiu, ela está lá, registrada na constituição. Então porque tornar legítimo as palavras de um presidente? Porque a maioria está com ele?

E Dilma Rouseff? O que as pessoas que vão votar nela sabem sobre ela? Nada. E a culpa por isso é do povo? Não. Mas é o povo a responsabilidade pelo futuro do país. O que eu sei dela é que foi uma revolucionária nos tempos da ditadura, dessas que pegou em arma e executou o sequestro do embaixador americano ao lado do seu Grupo MR8. Fernando Gabeira também fez parte dessa turma, mas ao contrário dela, ele se arrepende e assume uma postura a favor da verdadeira democracia; coisa que não vemos na candidata Dilma – que recentemente quis altear a lei de anistia – e no atual presidente lula - que recentemente defendeu a postura do governo de cuba ao não ceder à greve de fome de um preso político. Me questiono seriamente sobre os valores democráticos dessas figuras. Só espero não ver a nossa estabilidade econômica abalada, pois as resoluções dos problemas mais graves do país como a saúde e a educação dependem disso. Marina Silva tem sido uma forte oponente na disputa eleitoral, mas com toda a sua pose, eu acho que ela se candidataria melhor à santa. E por falar nisso, a população parece que despertou de vez a simpatia por candidatos com histórias humildes, e virou até uma estratégia eleitoral usar a história do candidato mais do que a exposição das suas propostas. Ora essa, e Juscelino Kubitscheck, que ia pra escola descalço em sua cidade no interior de Minas Gerais e mesmo assim priorizou suas ideias iluministas em detrimento da história da sua vida? Por falar em história, quero aproveitar para parabenizar meu tio Rafael Brasil, a quem eu chamo carinhosamente de Faé, pelas postagens publicadas em seu blog. São realmente a minha referência em pensamento político, e a todos eu indico a sua leitura através deste endereço: http://rafaelbrasilfilho.blogspot.com/. Ele é realmente a maior cabeça pensante de toda aquela região do agreste meridional.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O pensamento luz da virada do novo século



Não consigo dormir, por isso resolvi escrever. Passei as últimas três semanas me preparando para uma prova de residência em saúde mental que aconteceu ontem. Terminando a prova, fui extravasar no morro da conceição e lá encontrei uma garota. Não sei se perdi o sono por causa dela ou por causa da prova. Deixa para lá, pois não é sobre isto que quero falar agora. Quero mesmo é falar de um filme que eu assisti pela terceira vez no sábado à noite em que antecedeu a prova – como sempre costumo fazer nas vésperas dos concursos públicos. O filme se chama “ponto de mutação” (“Mindwalk”, no original), é de 1990 e foi levemente adaptado do livro homônimo de Fritjot Capra. É realmente um filme para ver e rever várias vezes devido ao seu conteúdo filosófico; e é muito bom, pois cada vez que você o assiste, a compreensão sobre ele aumenta.



A sinopse é simples, pois se trata de um encontro casual entre um político deprimido, um poeta (amigo do político) e uma cientista norueguesa. O encontro acontece em um cenário belíssimo: um castelo medieval ilhado em algum lugar da França. A maré da ilha está baixa, e de repente, este cenário se torna palco para o mais brilhante diálogo já visto na história do cinema. Diálogo este que se estende por todo o filme, pois não se trata de um simples diálogo - dá até para personifica-lo e percebê-lo como o personagem central do filme. Trata-se de uma de uma verdadeira aula de filosofia, e o melhor, com uma linguagem bastante clara, ao alcance da compreensão dos letrados mais medíocres. Fica até difícil para mim, encontrar as palavras certas para descrever o fenômeno que ocorre nesse filme; mas vamos lá, não custa tentar: ... (pausa)... cada personagem traz uma perspectiva - uma visão de mundo – e um sentimento de acordo com a situação em que se encontram – o político fora derrotado na última eleição à presidência dos estados unidos devido ao seu projeto político que em pouco correspondia com os desejos dos eleitores norte-americanos; o poeta se mudara para França por não se adequar ao estilo de vida maniqueísta dos Estados Unidos; e a cientista entrara em recesso do seu projeto de pesquisa sobre raio laser por perceber que este estava sendo financiado para a construção de armas nucleares. A partir disto, cada um expõe o seu ponto de vista, e aquele que se sobressai é, sem dúvida, o da cientista, por se tratar de um pensamento inaugural do novo século. Chama-se Pensamento Sistêmico, também conhecido como “o novo paradigma da ciência”. Pretendo expô-lo de forma grosseira e resumida no próximo parágrafo, mas antes, deixem-me terminar de falar sobre o filme. É interessante você notar o processo de mudança tanto na perspectiva dos personagens quando no quadro emocional em que se encontravam antes da conversa começar. É uma grande lição de como uma conversa profunda pode mudar a vida das pessoas, mais do que muitos benzodiazepínicos.



Agora vamos ao pensamento sistêmico. Como falei no último parágrafo, trata-se de um novo paradigma, uma nova maneira de perceber e fazer. É também conhecido como o novo paradigma da ciência, e ciência considerando a maior amplitude do seu termo, englobando praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Em se tratando de um novo paradigma, ele vêm para tomar o lugar do antigo, pois não há mais espaço para o antigo paradigma nos tempos de hoje, e a cientista está de plantão no filme para citar alguns exemplos catastróficos de aplicações do antigo paradigma na atualidade. O antigo paradigma foi inaugurado por René Descartes, e por isso foi também chamado de paradigma Cartesiano. Ele nos ensinou a estudar, e em seguida, tratar de todas as coisas da natureza e do homem como elementos isolados, desconsiderando a relação que existe entre eles. Como exemplo disto: Eu estou sentado na cadeira; eu sou uma coisa e a cadeira é outra, e por isso, terão de me separar da cadeira se quiserem estudar a cadeira e a mim. Isto era feito a fim de se alcançar a maior profundidade possível acerca daquele objeto. Até certo momento do século XX isso foi muito importante para as descobertas científicas; porém, enquanto epistemologia – uma forma de perceber e agir no mundo que está inscrito em toda a cultura – não se aplicava mais. Precisava-se de uma mudança que pudesse abranger as relações existente entre as coisas na sua epistemologia. Foi daí que surgiu o paradigma sistêmico, baseado na teoria geral dos sistemas. Essa teoria concebe um sistema como uma organização de elementos que está sempre em processo de mudança em sua estrutura. Além dos elementos comporem um sistema, cada um representa em si, pois está em constante inteação com outros sistemas. Isso dá uma idéia de movimento constante, por isso, não devemos entender o sistema como uma estrutura estática, mas sim como um pocesso. As coisas compõem sistemas e também são sistemas... os sistemas se articulam com outros sistemas mudando completamente a configuração inicial de todos os envolvidos. Uma família é um sistema, que está encontato com outros sistemas, como o colégio, o trabalho, o bairro, a sociedade. A árvore não é mais apenas uma árvore sozinha, ela está em contato com a floresta, com os animais que lá habitam, com o homem que lá pisa e com o vento que nela sopra. Assim são os sistemas, cadeias de relações que se encontram em constante movimento. É muita coisa para ser dita em uma postagem, por isso, recomendo a leitura do livro “pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência” de Maria José Esteves de Vasconcellos, ou que assistam ao filme “ponto de mutação”. Aos mais ousados, também seria interessante a leitura de livro de Ponto de mutação Fitjot Capra... Esse eu não li ainda, mas já estou pretendendo.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A ESTAÇÃO FINAL DO TREM (poesia)


Autor: Mateus Barros

Vagões lotados

Pessoas nos convéns

Todos estão à espera

Da estação final do trem


Pessoas sentam ao meu lado

Parados em minha frente estão

Olhos marcados pela história

Mas eu não sei quem são

Na estação eles saltam

Alguns deixarão saudades

Outros partirão na solidão


Este trem chamado vida

Pela trilha do tempo ele percorre

Acelerando e freando

Velocidade inconstante

Paradas bruscas e imprevisíveis

Outras já ansiosamente esperadas

Só este trem que não morre


Na janela olhamos a paisagem

O mundo mostra a sua face

Tão independente da nossa passagem

Ali estão outros passageiros do trem

Sem saber o dia a hora ou a precisão

O que eles sabem é que o trem sempre vem


Já ouvi falar de trens fantasmas

Será que eles existem

Uns dizem que são de arrepiar

Outros que são como este

Onde a viagem continua

Além da estação final


Somos todos passageiros neste trem

Sabemos da estação destino que nos aguarda

Mas a viagem é tão bonita

Com tantos passageiros ilustres

Que esquecemos para onde vamos

Há algo de inexplicável neste trem


Às vezes desejamos chegar logo

Viajamos sem levar bagagens

Sente que valor nenhum esta viagem tem

Outros passageiros já não mais importam

Dá até vontade de saltar do trem


Outros viajam felizes

Satisfeitos apesar dos poréns

Sentem que fizeram da viagem uma obra de arte

Fizeram coisas e amaram alguém

No chão duro do vagão plantou sementes

Seguiram o caminho do bem

Agora podem relaxar e chegar

Na estação final do trem


Esperado ou inesperado

Este trem possui um sistema falho

Ele não avisa

Se vai parar ou se vai continuar

Não sabemos onde e quando

Chegaremos na estação final

Deste trem chamado vida.

* dedico esta postagem a Lilian. Sua avó está hospitalizada devido a idade avançada. Espero que ela melhore e que estas palavas sirvam de conforto.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O mal da felicidade 2 – a salvação de uma farra


(Dedico esta postagem a Sophia. Não a conheço pessoalmente, mas é a maior leitora e comentarista do meu blog. Pessoas como ela motivam a dinâmina deste pequeno tripé para o mundo das letras. Se for solteira e gata, louvada seja. Se for feia e comprometida, abençoada seja.)

Quem canta, seus males espanta. Mas quem silencia, nem sempre seus males anuncia. Então, por que temos sempre que nos incomodar com aquele nosso amigo que está calado, pensativo em um momento de muita euforia coletiva? Por que temos que discriminá-lo, logo ele, que costuma nos presenteia com um imenso prazer em forma de presença? Será que é por isso? Estamos tão habituados com um prazer que a sua presença alegre nos proporciona de modo que se torna inadmissível o fato da sua alegria eufórica não esteja tão presente quanto a sua pessoa física? É aí que impera o regime ditatorial da felicidade. Não aceitamos a presença de pessoas morgadas* em ambientes vigiados pelo exército vermelho da felicidade. Todos somos componentes deste exército, e se nos comportamos de maneira “morgada”, é sinal de que estamos traindo nossa corporação. Ainda posso ir um pouco mais além: Trata-se de um exercito fraco, pois carece de autonomia individual, mecanismo de sobrevivência fundamental em casos de falha do sistema coletivo. Dá pra entender até que a tal felicidade não emana do nosso interior – como acontece com o glorioso conhecimento. Parece que ela vem de fora, nos tornando dependentes de ambientes alegres tal qual um viciado em crack ou uma pessoa carente de afeto.



Retomando a premissa inicial: quem silencia, nem sempre seus males anuncia. Isso. Apesar do erro de concordância por seguir a rega popular, este ditado inventado por mim diz respeito a qualidades que podem possuir algumas pessoas que estão silenciosas em momentos de muito barulho. Elas podem estar refletindo sobre algo, analisando o ambiente, zelando pelos amigos por livre e espontânea vontade. Sem que o momento nos permita dar conta disso, essas pessoas acabam sendo muito importantes em momento de farra. Tomo a farra como exemplo por representar a alegria a qual me refiro; e mais, subsidiadas por elementos simbólicos da suposta alegria: álcool, mulheres, música, e por aí vai. O silencioso pode assumir um papel mais importante que muitos dos outros que estão inseridos no contexto não podem assumir. Muito além disso, pode ser a pessoa mais disposta a bater um papo diferenciado do contexto. Por essas e outras é que ele pode ser a salvação da farra, aquele elemento capaz de nos fazer realmente felizes. Claro, ele pode estar preocupado com algum particular, mas há de ser respeitar segundo a boa moral; e fazendo isto, nos sentimos bem melhor ajudando este amigo do que finalizando a farra com algum sexo frustrante. Podemos viver momentos de sinceridade e ternura tendo a farra como pano de fundo, lembramos sempre de que aquela felicidade toda é fugaz e incomparável à nobreza de espírito que um certo silêncio da noite pode nos trazer.

*Termo popular, que de tão vago, designa qualquer comportamento que se assemelhe a melancolia ou que não corresponda com os padrões limitados da alegria exaltada em harmonias coletivas

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O tempo existencial e Norma Bengell


Ontem vivi uma experiência quase psicótica, de desejar romper friamente com a realidade e me entregar de vez ao mundo dos sonhos. Não foi devido a nenhum sentimento político ou social; foi mais existencial mesmo, dessas em que a função do tempo sobre nós, mostrando o início e o fim das coisas, caiu como uma tempestade sobre a minha consciência. Permitam-me explicar melhor, depois de cair na gandaia ontem, cheguei bêbado em casa, fui dormir e tive o seguinte sonho: “Estávamos todos reunidos em um momento de confraternização, eu e a minha família toda da geração que me precede - só que todos estavam mais jovens, com aparência física de 25 a 30 anos. Quem estava presente nesta festa, não sei por qual motivo, era Norma Bengell, musa do cinema, da música e do teatro brasileiro dos anos 60. Conversei bastante com ela, não me lembro qual assunto, me deixei derramar no seu olhar hipnotizante e me derreti de paixão como uma bola de sorvete no calor da praia de boa viagem.”


Até aí tudo bem, pois enquanto sonho tudo era permitido já que não existem barreiras lógicas, éticas e morais para o nosso inconsciente. Porém, ao acordar, o peso da realidade me fez cair uma dúvida inquietante: “como estará Noma Bengell hoje em dia”? Vale ressaltar que a Norma Bengell que apareceu nos meus sonhos se encontrava no mesmo estado de conservação da Norma Bengell de Noite Vazia – excelente filme de 1964 dirigido pelo saudoso Walter Hugo Khouri. Não hesitei... Pulei da cama ainda sobre efeito do uísque de algumas horas atrás e corri para o computador para procurar na internet algum registro atual de Norma Bengell. Encontrei uma entrevista com ela feita por Antônio Abujamra no seu programa “provocações”, e adivinhem... quase caí de costas. Norma estava acabada, destroçada, desfigurada pelo tempo. Nem de longe lembrava aquela Norma de Noite Vazia, ou de “o pagador de promessas”, outro filme inesquecível dirigido por Anselmo Duarte em 1962. Pra vocês terem uma idéia, nessa época, Norma chegou até a ser comparada com Brigitte Bardot. Recentemente, ela atuou no programa “Toma lá, dá cá”, no papel de Deise, uma moradora sapatão do edifício Jambalaya.

Mas, voltemos ao surto. Depois de quase cair para trás ao ver Norma Benguell hoje em dia, novamente me ocorreu um certo pensamento que em muitos momentos da minha vida me atordoa: “Somos seres humanos e vivemos sob a sensação de dominarmos a natureza. Acreditamos que temos o total controle de nossas vidas nas mãos, que temos sempre planos para o amanhã e temos métodos, instrumentos... enfim... capacidade suficiente para sermos senhores da nossas vidas”. Tal sensação também se traduz em momentos de alegria que temos com nossos amigos, quando o mundo parece parar de girar para dar lugar ao eterno. É quando comunicamos aos nossos amigos: “vamos marca outro encontro desses”, “vamos ser sempre amigos”. São momentos em que ignoramos que o Tempo, senhor do início e do fim e de todas as mudanças que ocorrem na natureza, está agindo de maneira fria e impiedosa sobre nós. Não me refiro ao tempo cronológico, mas ao tempo existencial, aquele que mostra que o agora já não é mais, que tudo está correndo em direção ao fim. Tal realidade se revela de forma cruel, mostrando que isso existe, quando procuramos viver cada dia tentando esquecer. Creio que cheguei a esta sensação por assistir a muitos filmes antigos e por conseqüência testemunhar o ontem e o hoje sobre as coisas. O medo da morte, de não saber o que existe depois dela e de saber que ela se aproxima desde quando nascemos estão constantemente presentes neste complexo sensacional. Me conforta a perspectiva de Norma que vive cada momento como se fosse o último, sem tantas preocupações com o futuro. Norma foi uma mulher que viveu intensamente uma vida de grandes amores e grandes lutas, e nunca perdeu a sua vaidade e feminilidade que a mocidade poderia ter tirado com o peso do tempo existencial.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O seu corpo é uma nuvem (poesia)


Autor: Mateus Barros

Tão longe para com as mãos tocar
Tão perfeita em suas formas
Para com a vista se adimirar
Seu corpo é como uma nuvem
Que escurece num céu de inverno
E brilha no sol do verão
O observador contempla com os olhos
E com a força da imaginação

Uma nuvem se funde com outra
Um corpo que agora está em outro
Agora não é mais um e outro
São apenas um
Mas se uma próxima nuvem vier
Que chova

A nuvem parece macia
Tal qual sua pele sedosa
Tamanha é a semelhança
Só falta a nuvem ter olhos e cabêlos
Se ao por do sol vejo a nuvem rosada
Nela sinto o seu cheiro

Se eu me sinto sozinho
Sem um amor para fazer
Dos meus pensamentos, um lugar
Vejo uma nuvem sem rosto
Milhares de corpor bonitos
Porém, todos iguais
Vejo nuvens no céu a passar

E se um dia eu me der conta
Que meu amor não está mais neste mundo
Quero olhar para o céu
Numa noite fria de inverno
Quero que todas as nuvens chovam sobre mim
Até que um dia, além das nuvens, eu possa te encontrar

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O caso Adimar, uma frouxidão no sistema penal Brasileiro



'Não consigo parar de matar', diz assassino em série em Goiás como assim publicou a reportagem da folha de são Paulo na internet. O furo de ontem foi sobre a decisão judicial pela liberdade de Adimar Jesus da Silva, pedreiro condenado em 2005 a 14 anos de prisão por crime de pedofilia. Em dezembro do ano passado, Adimar foi beneficiado com a progressão da pena, podendo responder em liberdade. Mal foi solto e o monstro cometeu seis crimes contra menores de idade: na tentativa de seduzi-los, ele conduz as vitimas para um terreno baldio e os mata a pauladas. A decisão judicial pela progressão da pena foi concebida pelo Juíz Luís Carlos de Miranda, observando que o condenado havia alcançado as metas comportamentais que a pena previa: bom comportamento e senso de responsabilidade. O mais interessante a se observar é que o mesmo relatório judicial continha o diagnóstico de Psicopata, antes concebido por exames nas áreas de psiquiatria forense e criminologia ao qual o condenado fora submetido.


O caso Adimar, o monstro de Luziânia, foi apenas mais um exemplo das falhas ocorridas no sistema penal Brasileiro. Isso sem falar nas brechas existentes no código penal que como muitos já sabem, existem para que criminosos das elites possam se beneficiar. Mas não vamos falar disto, pois o caso de Adimar vai além: trata-se de uma frouxidão nas relações existentes entre a lei e seus instrumentos de aplicação – neste caso, a psiquiatria forense e a criminologia – e não exatamente nas leis em si. O psiquiatra forense Guido Palomba disse na reportagem do jornal nacional de 12 de abril de 2010 que ao condenado deveria se aplicar uma medida de segurança, onde o preso seria completamente isolado, devendo retornar à sociedade somente quando a periculosidade fosse cessada. A observação sobre o bom comportamento do preso foi equivocada ignorando completamente o diagnóstico de psicopata quando este estava incluso no relatório do juiz. O fato é que um psicopata possui a capacidade de fazer o jogo dissimulado apenas para alcançar seus objetivos. Ou seja, munido de sua inteligência e sensação de ser poderosamente superior às pessoas a sua volta, Adimar simulou todo o bom comportamento e consciência que a pena estimava, coisa que o sistema prisional não prevera. É óbvio que a lei falhou neste ponto, mas devemos refletir sobre isso. Penso que a justiça como um poder supremo, deveria aperfeiçoar o seu modo de análise das pessoas e dos fatos, pois do mesmo modo como a progressão não deveria ser dada a Adimar, muitos são condenados injustamente no Brasil. Uma medida a ser tomada é adotar um sistema rígido de vigilância para ex-presidiários e pessoas em regime aberto e semi-aberto. Gilmar Mendes falou sobre uma certa pulseira eletrônica usada para monitorar os passos dessas pessoas, permitindo que as autoridades ajam a um passo a frente do suposto criminoso. É o regime de vigilância que Foucault tanto teorizava, como sendo algo mais econômico para o estado. A tecnologia está a serviço disso. O regime super fechado deveria prevalecer para criminosos da periculosidade de Adimar e outros que não necessariamente portadores de alguma patologia, como os grandes traficantes de drogas, estupradores, seqüestradores, torturadores e assassinos. A eles, a prisão perpétua, outra medida discplinar que há muito já deveria ter sido adotada no Brasil.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Cantarolando o Autismo



Falar sobre autismo é semelhante a falar sobre uma pessoa que não se sente bem em um ambiente onde não foi devidamente acolhida. As pessoas no ambiente não notam a sua presença, não se interessam pelos seus assuntos, e por isso, a existência da pessoa naquele devido momento da experiência passa a estar comprometida. Essa mesma pessoa também não pode fazer nada para mudar o desejo do outro que a acompanhou até esse lugar e do qual ela se encontra dependente para voltar para casa. O que fazer numa situação dessas? Uma fuga para a imaginação parece ser uma boa alternativa para suportar a angústia de permanecer forçadamente naquele ambiente inóspito: Olhar para os lados ou para lugar nenhum, desaperceber cada vez mais os estímulos externos e se deixar viajar nos pensamentos, lembrar-se de uma música ou de um filme. Tudo vai bem até que essa viagem interior é interrompida por alguém... alguma voz surgiu bruscamente no lado de fora. Alguém comenta algo com você, não se sabe ao certo o quê. O conteúdo da sua fala deste alguém não é compreendido, muito menos o motivo que poderia ter levado o emissor a cometê-lo: promover uma integração com o grupo de pessoas que está pouco incomodado com a sua apatia. A situação causa mal-estar e tudo o que se escuta é ruído - que de alguma forma o incomodou por ter de lhe arrastar tão violentamente daquela agradável sensação de meditação. O que fazer nessa hora? Minha boa educação cristã me diz que eu tenho que responder a ele. Porém, lá no fundo do meu peito não havia mais interesse por aquele ambiente, nem pelos assuntos, nem pelas pessoas e muito menos por esse que me fala. Eu havia acabado de encontrar um lugar agradável num mundo que eu mesmo construí, que me permitiu ser quem eu quisesse e como eu quisesse ser.
É mais ou menos assim que funciona a cabeça de uma criança ou um adulto autista, só que num estado, logicamente, muito mais grave. Deixa que eu explique. A criança que se tornou autista percebeu a inospitalidade do mundo numa idade ainda que muito precoce. Winnicot(1976) aponta para a incidência deste ocorrido ainda na fase de gestação, onde a criança já não era desejada. Sendo assim, ela nunca teve um lugar no mundo reservado para ela, onde ela pudesse se desenvolver e dar sentido às histórias das pessoas que a cercam. O mundo lhes foi negado num momento em que a criança precisava dele ainda para descobrir as suas emoções. As emoções são mecanismos psíquicos fundamentais para a construção do eu, para a formação do sujeito como uma unidade no mundo. Sem esta unidade, sem este EU, a criança é uma massa caótica (parafraseando Winnicot), um espaço vazio. E voltando para as emoções que antecedem a formação deste eu, elas só são possíveis na presença de um outro. À partir do momento que o outro permite, nega, oferece e toma, a criança apresenta reações como o choro ou o sorriso. Conceitos como o Holding ou o Handling (Winnicot, 1962) é que vão estabelecer a qualidade na maneira como as emoções se desenvolvem na criança. Mas por outro lado, como as emoções se desenvolverão quando o outro se ausenta? Até então, a única referência de mundo que essa massa caótica chamada criança possui de mundo é o outro. Se o outro não existe, o mundo para a criança também não existe.
Para Winnicot, a Criatividade é o mecanismo existente entre o ser e o mundo através do qual o mundo legitimará cada vez mais a existência deste ser. É outro passo para a construção do Eu: a Criatividade. O que eu faço deve de alguma forma ou de outra ter algum efeito no mundo, só assim eu percebo que dentro do meu corpo existe algo que dá sentido ao fato deu estar habitado neste. O sujeito se reconhece e reconhece o mundo pela sua criatividade; assim sendo, podemos entender a criatividade como um mecanismo de sobrevivência no mundo. E se o mundo se torna inexistente para o sujeito, como na situação anteriormente citada? Como fica essa sobrevivência? A resposta é a Criatividade. Só que ao contrário do saudável, essa sobrevivência ocorrerá em outro plano: através da criação de um mundo próprio, aonde a sua criatividade possa ser reconhecida. Tom Cruise no filme Rain Man (1989) até explica o autismo dessa maneira: “uma pessoa que vive num mundo só dela”.
É uma interpretação mais verdadeira e até mais saudável do autismo, uma pessoa que optou por um modo de sobrevivência no mundo. Pena que o preço que se paga do essa opção é um pouco alto, pois o mundo existe materialmente e a criança autista sempre se esbarra nele. Alguns conseguem se adequar através de rituais bem específicos, mas como o mundo acontece a cada instante, eles acabam por se esbarrarem em sua imprevisibilidade. O mundo tem as suas leis, e o autista não as reconhece. Segundo F. Tustin (1964), a criança autista percebe o mundo(ambiente) como sendo uma extensão de seu corpo. Assim sendo, é doloroso para ela esbarrar em seu próprio corpo, percebendo que este possui falhas em seu funcionamento.
Como consideração final sobre o autismo, posso dizer que não é só a criança que não compreende as leis do mundo; o mundo também não compreende a criança autista. Não consegue acolher essa criança no seu estado já cronificado. Também pudera, não é possível de se estabelecer um diálogo convencional com ela. Os educadores sofrem com o seu comportamento de quebrar as coisas, de urinar e fazer fezes sem o menor aviso prévio. A sensação de estranheza que atravessa o autista também atravessa as pessoas que estão diante delas e muitos sentimentos – tal qual a rejeição precoce por parte da mãe que originou o transtorno. Semana passada assisti ao filme “minha esperança é vocÊ”(foto), dirigido por John Cassavetes em 1962 - Uma raridade: um filme desta época registrando o tratamento com crianças excepcionais. Neste filme, o pai do protagonista autista fala o seguinte quando a sua esposa lhe perguntara se ele não sente nada pelo filho: “sinto sim... sinto vontade de abandoná-lo... minha vida era cheia de planos, e hoje, eu gastei tudo por ele não tenho mais nada”. Não podemos culpar este pobre personagem pelo que ele sente, mas também não podemos tirá-lo de sua responsabilidade, pois este sentimento é derivado do que a criança também sente por habitar nesse mundo. Os profissionais que trabalham com este público também precisam superar este sentimento de rejeição. É um trabalho de duplo esforço. Uma vez que o sentimento de rejeição é afastando, criamos espaços livres em nossa razão para alcançar o mundo da criança autista – reconhecer suas motivações, suas afinidades. Quando a criança reconhece que existe um mundo que reconhece os seus desejos, cria-se a possibilidade desta direcionar a sua criatividade para este novo mundo. O afeto é a grande chave para o sucesso deste profissional.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ensaio sobre o amor trágico



(passei a virada de ano com uma leve sensação de roedeira, mas agredeço muito à pessoa/motivo da dor por ter possibilitado a criação desta pequena reflexão histórica)




O amor suscinta a aparição de algumas tragédias: ele pode nascer a partir delas ou pode terminar com elas. Me refiro à paixão amorosa, aquela que pode apontar para um outro ou mesmo para si próprio, como foi o caso de Narciso, cuja tragédia recaiu sobre a simples contemplação da sua imagem refletida sobre a água . Um fenômeno antigo que faz parte da história do amor e que a humanidade ainda não aparendeu a lidar é o amor não correspondido – creio até que este pode ter se originado a partir do neolítico, quando o homem já deixara de usar a força física para adiquirir suas mulheres tal como caçavam animais. Na medida em que a liguagem ganha espaço na formação cultural das nossas cabeças, o homo sapiens sapiens estende a sua massa encefálica para a criação de sentimentos. Logo, os sentimentos passam também a fazer parte do sexo, associando-se a ele através de uma lei regida pelo gostar-não gostar, sentir-não sentir. Isto atravessou a história da humanidade e se configurou de acordo com as diversas transformações sofridas pela sociedade – me refiro aqui à sociedade ocidental, já que não tenho tanta propridade pra falar das culturas do lado de lá. Antes do advento do cristianismo como a religião mais dominante da cultura ocidental, no período que data a antiguidade classica – a da grecia antiga – o amor existia para o homem sendo então excludente as mulheres, que não tinham voz e aparição diante da sociedade que compunham a cidade-estado; só que esse sentimento era previlégio de poucos e era muito pouco explorado diante da representação social almeijada pelo homem no espaço público dessas cidades-estado. Foi um periodo de surgimento da cultura, e com ela, do homem político, este que tinha vez, voz e existencia diante de tal ambiente biológico. Minimamente é que as expressões mais sentimentais surgiam através da arte, como pode ser conferido nas tragédias gregas dos tempos de péricles. Avançando um pouco na linha do tempo, temos a idade média, onde uma nova moral foi imposta pelo poder absoluto da igreja. Nesse período, a união entre homens e mulheres se dava através da união sagrada do matrimônio, que também era um previlégio de poucos, considerando que a aristocracia dos feudos era quem tinha a dádiva do sagrado. Aos pobres restavam o amor, mas este logo desaparecia com a praga da peste bubônica. Avançando mais um pouco, chegamos na modernidade; extingue-se o regime feudal e entra em cena a burguesia, dando uma grande expanção à cultura com as mudanças que ela trouxe à sociedade. A burguesia criou o capitalismo, e junto com ele, uma nova perpectiva: a individualidade. Esse fenômeno foi inédito na história da humanidade, pois nunca o homem foi tão dono dos sua vontade e tão responsável pelos seus desejos. Tal sensação de liberdade e desejo – aí uma faceta da paixão – levou o homem a avançar nas navegações, a fundar novas etnias e criar uma doutrina fascinante como o Iluminismo, que mais tarde iria dar origem a novos paradigmas políticos, científicos e filosóficos. Na literatura, surgiram grandes romances, de amores impossíveis acontecendo no cerco da burguesia e tragédias decorrentes destes: William Sheakespeare, Leon Tolstoi, Jane Austen, Machado de Assis... Ah, foram tantos. O movimento Romantismo foi o principal responsável pela elevação do sentimento em dentrimento da razão. Isso foi inspirando pensadores como Rosseau, que tratava de política com um viés bastante sentimental , e Nietzche, cujo pensamento criticou o racionalismo puro e originou uma filosofia inteiramente voltada para o homem. Cabe considerar que, até um certo período, a união entre homens e mulheres se baseavam em acordos comerciais entre as famílias da burguesia, dando pouca margem ao sentimento. Os pais casavam os filhos, e a tragédia do amor não correspondido se manifestava em forma de fantasias silenciosa; daí a fonte de inspíração para grandes romances. Chegando no século XX, o homem se esbarra na pós-modernidade, que nada mais é do que a modernidade apresentando consequencias verdadeiramente trágicas ao homem; uma espécie de falha da modernidade. A individualidade chega ao extremo, desta vez com o apareto tecnológico e com as revoluções na cultura, no comportamento dos jovens. O homem pós-moderno tem seu próprio computador, sua própria televisão, tudo tão próprio a excluir a sua identidade, que se encontra prejudicada pela imensa gama de informações antagônicas que recebe. O homem pós-moderno deseja e não deseja ao mesmo tempo, não se reconhece diante das suas escolhas, sofre crises existencias, depressões, consumo de drogas e outros transtornos psíquicos. Para cada mal, existe um remédio que deve ser consumido - o consumo é a lei, o objetivo maior do homem pós-moderno. O amor também se tornou consumível; ou seja, ele pode se apaixonar por quem ele quiser, basta selecionar as características no outro que mais se adequem ao seu gosto. O problema basta ser a outra pessoa querer, corresponder a este amor – eis a tragédia amorosa da pós modernidade. Pode-se dizer que se ama de uma forma individual, tal como os objetos da pós-modernidade. As pessoas vivem seus universos particulares com seus conflitos individuais os quais não publicam nem para a mãe – nunca a psicoterapia foi tão requisitada. Por fim, posso terminar esse ensaio criticando um pouco esse modelo de amos trágico: O amor não correnpondido representa uma tragédia, mas não concebe nenhum dos personagens como vítima, pois se ama da maneira mais individial possível. E por que não dizer egoísta?